3.12.05

Nas Quebradas da Vida

Vamos, confesse aqui para o seu amigo, você já namorou em uma quebrada, não foi? Sua mãe não precisa saber, prometo sigilo, e seus filhos, se você os tiver, sabem o que é estar quebrado mas não sabem o que é uma quebrada. Vamos, amigo, amiga, me contem.

 


Com o advento do Motel, as coisas mudaram. Por um lado, ficou mais fácil namorar, por outro, não. Se chegar a um quartinho todo arrumado e poder desfrutar dos doces momentos da vida é uma beleza, chegar ao Motel nem sempre é trivial. Às vezes, o casal tem o carro, mas está sem grana. Às vezes, tem o carro, tem a grana, mas a cidade é pequena e o porteiro do Motel é conhecido de um tio, do pai.

Nessas horas difíceis, dar uma meia-volta na modernidade e aceitar a única opção possível é o que nos resta. Pois, quando um casal fez o pacto do encontro, se não for no Motel será no Fusca. Ah! O Fusca. Quanta ginástica, meu Deus. Muitos dos problemas de coluna que nós temos se devem aos movimentos que fomos obrigados a fazer dentro de um Fusca. Por amor, é claro. Até o amor, que não tem contra-indicação, tem efeitos colaterais.

Todos sabemos, entretanto, que as quebradas têm lá os seus perigos. Mesmo em cidades pouco violentas, como a nossa Passos, sempre há um espírito de porco doido por assustar alguém. Comigo já aconteceu de ser a própria polícia a me pegar no flagra. Sorte que foram compreensivos e fizeram vista grossa à minha tentativa de corrompê-los — quer dizer, não aceitaram os meus minguados 5 contos —, e nos mandaram, a mim e a namorada, dar o fora da área, e que não se repetisse aquilo outra vez, senão... Com outros amigos foi pior. Uns bandidos os deixaram nus com a mão no bolso — juro que não é exagero.

Se para o amor a quebrada foi deixada de lado, servindo apenas como a última opção, para coisas ilícitas, a quebrada passou a ser o quente. A moçada corre aqui e ali para enrolar seus fuminhos, o lado A e o lado B de uma transação fora da lei marcam encontro no mais escondido dos lugares. E por aí vai. A quebrada mudou da água para o vinho; ou melhor, deixando a citação bíblica de lado: do suor dos amantes para o ar escuso.

Todavia, a grande transformação da quebrada ocorreu nesta semana, e lá em casa. Estávamos recebendo amigos. Os adultos ficamos na sala, sorvendo um bom vinho, beliscando queijos e pão. As crianças espalharam-se pelo resto da casa, pulando da cozinha para a sala, da sala para um quarto e deste para outro. Era uma farra medonha. Para nós, os coroas, estava tudo bem, as crianças gritavam, mas a gente conseguia botar a conversa em dia.

 


Numa certa hora, resolvi pegar um outro CD no meu quarto. Eis a surpresa: num cantinho, entre o guarda-roupa e o armário onde estão trancados meus preciosos CDs, o que eu vejo? O Ken e a Barbie transando. Sim, caro leitor, estava lá o namorado da Barbie, aquela boneca bonitinha, mas sem sal, deitado sobre ela.

Tudo bem, os dois são só bonecos e meu quarto não é um matinho providencial. Mas, nestes tempos em que o ser humano transa por computador, aquela foi realmente a mais explícita das cenas de sexo. Não tive vontade, leitores, de repreender os meus filhos. Que isto seja um bom presságio, sinais de novos e melhores tempos. Não acredito em repressão sexual pura e simples.

Não posso negar, entretanto, que estou mesmo é pasmo, sentindo o assombro que nossos pais já sentiram quando éramos nós quem crescíamos. E talvez um pouco mais: mesmo que precocemente, sinto que meus próximos passos serão dados dentro do túnel, dentro da escuridão que a estúpida responsabilidade nos impinge. Posted by Picasa