20.10.06

Enfim, um clube

O papo é o seguinte: não sou de pertencer a clubes. Entenda-se clube como qualquer coisa cheirando a determinada coletividade voltada a um fim específico: entretenimento, política, esporte, conselhos profissionais e outros mil exemplos que me escapam no momento.

Sim, sim, sou botafoguense, mas sem paixão exacerbada. Namorei o PT, mas não me filiei, acho melhor dizer: fiquei com o PT. (Aliás, o PT beija tão bem que nada impede que, na próxima festa, nos agarremos no meio da pista de dança, mas, claro, só se ele estiver trajando o velho, mas reciclado, vermelhinho básico e desacompanhado de seus amigos esquisitões.) Não comungo, não busco espíritos, não freqüento terreiros.

Sou quase como o Marx, o irmão americano, não a chama comunista, aquele que não entrava de sócio de clube que o aceitasse como tal. Digo quase porque, na matemática, até o vazio é um conjunto, ou um clube na palavra exata desse lero-lero. Ou seja, pertenço ao clube do eu sozinho. Leitor que nem me conhece, passo longe de ser egoísta, sou, sim, um cético de carteirinha, por mais contraditória possa soar a afirmação.



Apesar de tudo, fui jogado, pelos fundos, a um clube. Bordejei pelos cantos tentando manter-me o mais discreto possível. Daí reparei meus parceiros. Rostos vilipendiados, gestos arrastados, olhares inquietos, fugidios. Tanto como eu, até os mais embrenhados no salão de baile, dançantes e passadiços, escancaravam o mesmo ar de vergonha, ainda que neles já se percebesse uma certa anuência com a situação.


Qual situação? Afinal de contas que clube era esse que nos tragara, que nos buscara, que nos engolira? Éramos os endividados, a classe média que pegou 5 dinheiros para complementar a grana de um mês, outro 1 para trocar a TV e mais outro para dar de entrada no fogão que durou menos do que as prestações. E depois recorreu ao crédito em folha e depois à renegociação de todos os empréstimos em 60 meses, chance única, pegar ou largar.

A classe média voltando do paraíso.

A classe média aguardando o elevador defeituoso, descendo, descendo eternamente.

Baile da última gota de dignidade da classe média muito pouco digna no mais das vezes. Baile de ventiladores desligados porque não foi possível pagar a conta. Baile com os odores do último perfume de Paris.

Arrastado até ali, ali não ficaria. Mesmo com empréstimos e empréstimos-sobre-empréstimos e empréstimos-sobre-empréstimos-sobre-empréstimos, empunhei meu cartão de crédito e caí fora.

Entrei na primeira loja encontrada pelo caminho. Mostrei para o caixa o dinheiro de plástico e levei para casa o novo Caetano (Cê).



Andam dizendo que o disco do baiano é nhenhenhém. Dor de cotovelo. Coisa de velho que perdeu a menina. Se é, dane-se. Caetano acaba de dar outra chacoalhada em si mesmo.


O disco parece com a fase de “O quereres”, mas enxuto. Rock básico. Sofisticação a partir de miudezas. Som de garagem. Harmonia incompleta até o som, arremetido com aparente desgoverno, entrar na gente e ficar. Caetano fala de trepadas mal dadas, da mulher que foi “mor rata” com ele, da saudade de Wally Salomão.


Mil vezes o chororô do Caetano. Mil vezes o baiano abraçado a Lupcínio. Mil vezes Veloso Dylan. Mil vezes o pai do Moreno, irmão do Moreno, filho do Moreno. Mil vezes a rebeldia magrela do falastrão desastrado. Mil vezes. Dez mil vezes.


Nos próximos cinco minutos, cinco dias, cinco mil horas, sei lá, sou do Clube do Caetano. Nele fico protegido dos ataques da nostalgia burguesa da classe média. Nele fico, ainda que endividado esteja, endividado estarei, endividado serei.

Antes só do que mal acompanhado.

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