30.7.07

Morei na Gávea






Sim, morei sim.






Não era perto do Baixo, ao contrário, era bem lá pra cima, depois da PUC e do Teresiano. A casa sem pai nem mãe, onde um mineiro (eu) e um boliviano residíamos, era porto para todo tipo de embarcação. Amigos, antes disso e depois daquilo, ancoravam por lá; outros, abraçados às suas mulheres, desabrigados por alguma enchente tropical, ali se aboletavam com mala e cuia e só não levavam cachorro porque não tinham. Um outro sistematicamente chegava, sentava-se no sofá da sala, ligava a televisão e dali não arredava por nada. Se calhasse de a noite esquentar por conta de algum excesso — sabe como é, aparecem meninas que ninguém conhece, abre-se uma cachaça pura de alambique do interior de Minas ou do Ceará, experimenta-se um fuminho de rolo que papagaio não bica —, nem assim esse amigo desgrudava da televisão, vendo qualquer coisa que passasse nos canais abertos (e únicos, pois não havia canal a cabo, talvez nem antena parabólica). Enfim, mais do que em casa, morava na comunidade dos universitários que começam a farejar a vida sem o controle rígido dos pais. Fizemos besteiras e aprendemos muito. Sobrevivemos, quer dizer, alguns morreram, não pelas pequenas doideiras ou por algum malefício adquirido ali; morreram porque, estando vivos, morremos sempre.




A Gávea para mim não é exatamente um bairro, esse metro quadrado de pedra que começa numa praça, termina numa favela, tem montanha de um lado e o mar um pouco distante, mas, sim, um espaço incrustado na memória. Justamente na memória do homem que sou hoje, feito, em parte, do jovem que fui então. É, portanto, uma bruma, um debuxo, um fio tênue, ainda que resistente, diria mesmo perene.




Talvez por isso, onde estou carrego o bairro comigo. Levei-o para Botafogo, onde vivo. Levei-o à Bolívia, aos Estados Unidos, à Finlândia, enfim, às terras estranhas e estrangeiras que as circunstâncias me fizeram conhecer. Levei-o para compartilhar com meus amigos de botecos em Minas e em conversas fiadas nas noites frias de São Paulo.


Para Bandeira e Cabral, Pernambuco. Para Drummond, Minas. Para Trevisan, Curitiba. Para Marques Rebelo, a capital da Guanabara. Para García Márquez, Macondo. Real ou fictício, precisamos de um chão, assim como precisamos de pai e mãe (reais ou fictícios). O meu chão, que é Minas, também é a Gávea.





Tô Voltando

Ando rateando como os viciados de modo geral. No meu caso, todavia, vou na contramão. Digo: volto ao blog amanhã, mas não volto, não escrevo. Meu vício é a abstinência.
De todo modo, reproduzo a seguir uma crônica que escrevi para o Jornal Folha Gávea e Leblon, publicação mensal de circulação gratuita. Como devo escrever por algum tempo no jornal, pelo menos uma vez por mês volto aqui para rechear meu blog, coitadinho.