26.4.09

Em torno de uma xícara de café

Bem, dando continuidade àquele papo todo em relação ao lançamento de "A câmera e a pena", hoje coloco disponível aqui em "No Osso" um trecho da segunda novela.
Digo antes: a primeira novela girava em torno do cinema, a segunda, da literatura. Acompanho cinco escritores em formação. Portanto, além de tudo que acontece a partir da reunião que fazem para discutir os textos, os escritores, lógico, escrevem. Sendo assim, o texto abaixo é de um desses escritores, o Teco Sanbra, e está dedicado a Clara Limpes, outro membro desse grupo.

Deixo com vocês. E relembro: o lançamento será no dia 7 de maio, às 19 horas, na livraria Blooks, que fica no mesmo endereço do Cine Arteplex (Praia de Botafogo, 316. Telefone: 2559-8776).

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Leocádia e o Amor                                         

a Clara Limpes

    Jabô, o noivo de Leocádia, levou um tiro. Como avisá-la, moça de vida tristonha, que só agora se abriu a alguma ilusão? Preferiram, antes de tudo, saber do estado de saúde do operário. Na conversa à beira do ferido, na iminência da chegada do socorro, decidiram que Xaveco e Brito, este primo da vítima, seguiriam para o hospital. Com as novidades, alguém iria lá na casa de Leocádia dar o recado. Mas quem? Os olhos se voltaram todos para Reizinho, não por alguma qualidade especial, mas era amigo do irmão da moça, e sua chegada à casa dela não despertaria maiores suspeitas.

    Entretanto Padreco, o mulato parrudo da boca de fumo, vira com os próprios olhos o tal Reizinho disparar a arma contra Jabô e, malandramente, se meter na multidão para ninguém suspeitar dele. E Padreco não gostava do sujeito. Situação mais apropriada para a esperteza morder a isca da oportunidade. Padreco entrou na conversa e achou por bem acompanhá-lo quando fosse o momento, até porque quem pregou aquele fogo gratuito deveria estar solto por aí, e Reizinho era homem de paz, talvez carecesse de ajuda para uma eventualidade. Sensata a intervenção de Padreco, concluíram todos, inclusive Reizinho.

A notícia do hospital era das piores. Na realidade, a pior: Jabô, ó... Reizinho deu pra trás: isso não contava para a Leocádia de maneira alguma. Padreco pressentia outro esquema na declinada do astuto: defunto em morro é obra de assassino; logo, logo, a lei apareceria na cola do malfeitor. Reizinho armava um “vou ao vento”. Nova intervenção do Padreco na assembléia interminável: dava ele a notícia, mas Reizinho ia de fiel, de guia, para ensinar onde morava a noiva viúva. O sensato em pessoa, esse mulato do bagulho. Não houve jeito, Reizinho foi no correio do anúncio fúnebre.

Quanto mais se afastavam da assembléia, mais ficava a certeza de que os dois homens não cumpririam o prometido. Padreco esperava chegar a um canto vazio para despachar a alma do outro para o fim do mundo. Reizinho, que nunca foi bobo, mas fingia-se de, tinha consciência plena de que o tal Padreco vira tudo, portanto bastava uma brecha para cair no pé.

Porém os becos, apinhados de gente, não ofereceram chance nem para outro crime nem para uma arriscada fuga. E, assim, assim, os homens chegaram à casa de Leocádia transferindo, lá dentro deles, todos os planos para a volta. Reizinho bateu à porta. Não se ouviu um “vai entrando, moço” nem um “quem é”. Veio em resposta, isso sim, uma seqüência de tiros sem pejo. A polícia matava dois coelhos com uma única disparada de balas, coisa cara para os cofres públicos.

Nesse dia, Jabô não amou Leocádia. Reizinho, livrando-se do noivo, não se apossou da viúva. Padreco não fez justiça com as próprias mãos. E Leocádia ficou a ver navios. A ver navios, não, porque dali do morro não se via o mar.

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Um comentário:

No Osso disse...

Obrigado, Ana Cláudia. Apareça.
Abraços