26.1.10

Os dramas e gargalos do mundo da criação


Ronaldo Cagiano é escritor

26/01/2010


Um olhar sobre a realidade cultural contemporânea, principalmente  a que sobrevive a reboque dos fenômenos de comunicação de massa, como a internet, o cinema e a literatura, são objetos do novo livro de Alexandre Brandão, que enfeixa duas novelas em A câmara e a pena (Ed. Cais Pharoux, Rio, 2009, 156 pgs).

Mineiro de Passos, com uma obra já madura e reconhecida, Brandão nesse novo livro discute o mundo da produção artística, tratando de questões ligadas aos seus impasses e entraves, como também de situações que muitas vezes exteriorizam as vaidades e carências individuais,

Na primeira história, Um pouco mais que um diretor, o Alexandre penetra o quotidiano de um set de filmagem. Aos poucos, o leitor desnuda um ambiente em que sobressaem as nuances de uma produção cinematográfica, com todo o percurso técnico, os tropeços de uma filmagem e a transposição realidade-ficção, quando o simbiótico encontro entre subjetividade e técnica acaba por expor o exaustivo trabalho de preparo e direção de um filme e denuncia as dificuldades de se fazer cinema num País que ainda não conta com o aparato tecnológico e o aporte financeiro das grandes companhias do primeiro mundo.

Já Em torno de uma xícara de café, o tema da criação literária é abordado por meio encontros semanais de um grupo de candidatos a escritores, que usam as novas ferramentas de mídia para divulgarem suas obras – como blogs e internet – lutam contra os gargalos de distribuição, a insensibilidade da crítica e os guetos editoriais. Nessa novela, que enceta uma oportuna reflexão e questionamento sobre o meio literário vigente, destaque para os conflitos, egos, interesses e anseios que permeiam a relação dos escritores contemporâneos com esse metiê. Aqui, espelha-se o que comumente acontece: circulam personagens que reverberam os sonhos e preocupações de  gente em busca não apenas de uma identidade ou um estilo literário, mas para ter voz e vez num sistema editorial cada vez mais competitivo e concentrado no mercado, cujo espaço é partilhado pelas panelinhas bafejadas nos cadernos de cultura da grande imprensa, que impõem condições cada vez mais fechadas e apaniguadoras. Entre as questões suscitadas pelo autor, ainda aparecem sutilmente os fantasmas da ditadura militar na pele de um dos protagonistas, um dos escritores do grupo, quando descobertas suas ligações com golpe que instaurou a ditadura militar (1964-198).

Com A câmara e a pena na mão, Alexandre Brandão incide o foco e a escritura, com sutileza, poesia e uma profunda e tensa percepção dos dramas e conflitos contemporâneos, tocando naquilo que é inerente à condição humana, como a vida, o tempo, as frustrações e os fracassos da vida artística e cultural. Não é um livro sobre os recalques de escritor ou de diretor de cinema, é um consciencioso mergulho nas águas da solidão e da necessidade de sobrevivência pessoal e intelectual que são parte da trajetória de quem se aventura a fazer arte numa época cada vez mais estereotipado pelos fetiches do deus mercado e as seduções da mídia, nesse tempo que, como diria o saudoso José Paulo Paes, está povoado de “vidiotas e internéscios”, relegando a existência (pessoal e literária) à banalização ou à morte.

Com essa terceira e bem sucedida incursão ficcional, recorrendo a ícones geracionais numa obra que fala sobre livros e sobre as demandas que norteiam o processo criativo nas diversas linguagens, Alexandre Brandão assegura seu lugar no afunilado cenário da literatura brasileira. E, com talento, originalidade e uma mirada peculiar sobre a nossa realidade, sem dúvida, figura entre os grandes nomes da atual prosa brasileira.


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