29.3.11

Raymond Carver e outras pepitas mais

ESCLARECIMENTO: O texto que será lido a seguir está publicado no Jornal CNP Notícias, de Passos, Minas Gerais, que passou a circular em março de 2011.

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A jornalista Vera Pagliuso, essa incansável, convidou-me para escrever neste novo espaço. Dá as regras: fale de livro, música, cinema, arte em geral. Eu, logo eu? Sim, sou um leitor voraz, mas, como disse Virgínia Wolf e me ensinou José Castelo, sou um leitor comum, ou seja, leio sem estratégia. Não sou de guerra, meu negócio é briga de rua.

Começo a minha colaboração falando desse gigante, Raymond Carver. A Companhia das Letras lançou recentemente um volume com a nata dos contos do mestre americano. Título: 68 contos de Raymond Carver. O autor viveu parcos 50 anos, uma grande parte deles bebendo e uma maior ainda fumando. Consequência: morreu de câncer pulmonar. Encontramos uma biografia dessas em qualquer canto do mundo; em Passos mesmo morre-se de cirrose e câncer com uma facilidade sem fim.



A diferença é que Carver, não um bêbado como eu (ainda que eu não beba mais) ou um fumante como você, escreveu uma literatura contudente, reveladora de uma América que não é só aquela coisa toda de american way of life. Carver, americano, escarafuncha as dores de seu povo com ética de médico legista. Vale a pena lê-lo. E vale a pena ver o filme que Robert Altman fez condensando alguns de seus contos: Short Cuts (1993) — obra-prima sobre obra-prima. De todo jeito, preparem-se. Carver efetivamente escreve na entrelinha, o bom é o que imaginamos e o que, no texto, está calado.

Mudando de pato pra ganso. Tempos atrás, essa frase, dita um pouco diferente: de pato pra peru, transformaria esse pequeno texto em artigo político, pois – sim, amigos – os partidos em Passos eram apelidados de Pato e Peru. Grilo escreveu peça sobre isso. Gilda poderia recuperá-la e levá-la ao teatro. Bem, depois, na ditadura, os partidos eram MDB e Arena, mas, na terrinha, o MDB era o Manda-Brasa, bem melhor, muito mais de acordo com o propósito do partido de varrer a ditadura do país, assim como agora o querem os egípcios. A diferença é que não tínhamos twitter naquele tempo.

Enfim, passa no Rio um filme a que desgraçadamente deram o nome de Minhas mães e meu pai, tradução de The kids are all right. Nomes! Traduções! Vamos ao filme. É a história da nova família. Duas mulheres casadas têm dois filhos adolescentes (cada uma gerou um deles com sêmen de um único e desconhecido doador). Sabe cumé adolescente, né? Quiseram conhecer o pai biológico e daí em diante dá de acontecer muita coisa. Boa narrativa, com uma ou outra escorregada. No entanto, a gente sai do cinema e bate aquela dúvida: família é tudo igual, independente de seu formato? Ou é justamente o fato de várias pessoas dividirem o mesmo teto, sob certa hierarquia, o que torna as famílias as mesmas, seja a de pai e mãe, a de pai e pai ou a de mãe e mãe? Ansioso pela resposta que o filme parece inclinado a buscar. De todo jeito, o que me deixou com mais uma pulga atrás da orelha é que uma das mães era a provedora, a que trabalhava (médica bem-sucedida) e pagava as contas. A outra, uma doidivanas (não muito, na verdade). O que é isso? Má caracterização de personagem ou reflexo de que é aí mesmo que a coisa não muda?

Prestem atenção, queridos, na interpretação das atrizes desse filme. Que show! Ficha completa. Diretora: Lisa Cholodenko. Elenco: Julianne Moore, Annette Bening, Mia Wasikowska, Josh Hutcherson e Mark Ruffalo.

10.3.11

Em gotas

Era janeiro. O dia estava quente, e eu saía do trabalho no adiantado da hora. Trabalho perto da Lapa, o ponto efervescente da boemia carioca. Duas garotas, jovens e lindas, prontas pra noite, vinham em sentido contrário ao meu. Quando nos aproximamos, ouvi de uma delas: "Não, não estou com ele, não dá pra ficar com um cara que tem a bunda maior do que a minha."
Um amigo meu não perde os discursos que os presidentes americanos fazem no início do ano (State of Union). Ele colocou no Facebook várias passagens do que o Obama falou este ano. Entre tantas coisas, o presidente disse que, a partir de 2011, nenhum americano estará proibido de servir ao país que ama por conta de quem ama, um recado direto aos homossexuais, ainda que não só a eles. Mr. Obama continua compromissado com muitas bandeiras da liberdade individual. Viva ele!
Nos EUA, anunciaram a fabricação e a comercialização de refrigerantes à base de maconha, que, em alguns estados, está liberada quando auxiliar nos tratamentos de saúde. Se bem entendo, uma lei federal considera de todo modo a erva maldita. Detalhes, detalhes, o importante é que com esse novo refrigerante será resolvida uma velha pendenga: pais e mães farão questão de comparecer às festas infantis.
O Botafogo tomou uma decisão correta: contratou um lateral direito de Passos, minha cidade natal e mineira; Lucas, o nome dele. À direita, a Estrela Solitária vai. Se o ano não for bom, o problema estará no centro ou na esquerda. Na verdade não quero que nem o Botafogo nem o Brasil tenham problema com a esquerda. É hora da figa.
Por falar na minha cidade, fui jovem nela. Naquele tempo, o capítulo da novela que passava hoje aqui passava lá uma semana depois. Chegávamos à moda um pouco depois de todos, o que nos tornava imediatamente fora de moda — no entanto éramos felizes, ou, melhor dizendo, não éramos infelizes por conta do atraso.
Rio, essa cidade cosmopolita, não vê shows da Ná Ozzetti e de seu irmão, o Dante, do Carlos Careqa, da Consuelo de Paula, da Andreia Dias e do nobre senhor Luiz Tatit. Por que será?

Num ninho de mafagafos, há sete mafagafinhos. Quem conseguir desmafagar esses sete mafagafinhos bom desmafagador será. Saudades do meu pai.
Fui ao Ceará. Comi lagosta. Namorei. Passeei em lugares realmente lindos. Não bastasse isso, tive a sorte de conhecer escritores pra lá de interessantes, entre eles os contemporâneos Pedro Salgueiro, Tércia Montenegro e Flávio Paiva, além do já falecido Moreira Campos, este, com certeza, um contista mestre. Amei o Ceará.
Coisas que só comi na infância: fudge de chocolate e coco de macaúba.
O mundo deu um passo atrás. Se isso é recuo para posterior avanço, não estou certo. O fato é que, pelo menos no Rio de Janeiro, muitos homens e algumas mulheres voltaram a usar chapéu.
Depois de assistir ao filme “Minhas mães e meu pai” (péssima tradução para “The kids are all right”), estou matutando o seguinte: formar famílias a partir de cônjuges homossexuais não muda em nada a velha e carcomida família.
Infeliz daquele que nunca leu Raymond Carver.