30.3.12

Arranjos fresquinhos para uma velha cantiga pornográfica e outra antipatriótica


Mariquinha do Fubá

Ô, Mariquinha do Fubá, se eu pedir você me dá a mão e me consola. Diz pra mim: “Menino, não tenha medo, o escuro dura um segundo, passa logo”. Lá de trás da bananeira, é, Mariquinha do Fubá, a gente pode mirar o resto do mundo e rir dos que levam tudo tão a sério. O prefeito carrancudo, a dona de casa para quem, se a roupa não seca, a vida acaba. O professor que não entende a ironia do Joãozinho lá da classe dele.
Se eu pedir você me dá, Mariquinha do Fubá, a misericórdia por eu me assustar tanto com a fanfarrice dos dias que nascem mansos, passam em tempestades pela hora do almoço e dormem de lua cheia?
Se você me dá mão e misericórdia, vou andar de bonde com meus sustos. Em cada susto, rabisco um desenho. Em cada susto, alinhavo um poema. Em cada susto, em vez de envelhecer, fico eterno — ou tento.
Você me dá, ô, Mariquinha do Fubá?

Da Independência

Japonês tem quatro filhos, todos quatro nascidos no lajeado. O primeiro é filho de búlgara, o segundo de uma que quase transformou o japa num desgraçado. O terceiro nasceu prematuro e o quarto foi adotado. Vivendo sua terceira viuvez, depois de crescidos os filhos, o japonês largou as beiras do lajeado, berço de pedra de sua prole, e se mandou pra capital. Tentou ser meganha, a idade não permitiu. Arriscou-se como compositor, suas rimas não caíram no gosto da plateia. Foi boxeador até levar o primeiro soco. Acabou, como muitos, no informal; no caso dele, no ilegal. Passou a contrabandear. No circuito Uruguai, Paraguai, Argentina, Bolívia, Peru, Colômbia e Venezuela, tirou seu ganha-pão. Dali trazia um cadinho da felicidade guarani, outro da felicidade dos descendentes de Tupac Amaru, outro da cota dos guerrilheiros da selva amazônica e até mesmo um pouco daquela que persiste no coração dos descontentes com Hugo Chavez. Distribuía gotas de felicidade nos quatro cantos do Brasil. Para trabalhar, corrompeu. Escondeu-se. Um dia foi preso. Em defesa do réu, o rábula, contratado por alguns clientes desacorçoados com a abstinência forçada, não poupou palavras: “Esse homem, ceteris paribus, compôs o hino de nossa independência, posto que, sem felicidade, não há nação”. Talvez por não compreenderem o latim e o português da defesa, todos no Palácio da Justiça fecharam os olhos diante de tal argumento. O japa percebeu que, estando cega a justiça, bastava andar na ponta dos pés, porta afora, aeroporto afora, Brasil afora. No debate que se seguiu à fuga, jornalista armado de ironia bradou em sua coluna: “Ficou a pátria livre sem que ele (o contrabandista, bem entendido) morresse pelo Brasil”. Especula-se que hoje o japonês, que tem quatro filhos, todos quatro nascidos no lajeado, é monge tibetano numa terra de homens coxos nas barbas do Arzeibaijão.

Ilustrações retiradas de site de imagem livre.

16.3.12

Yoani Sánchez não vem


Cuba vive uma ditadura. Ponto final. Ou ponto e vírgula, sinal que induz a tomar fôlego e completar o raciocínio. Ditadura engendrada no maior movimento revolucionário da América, justo aquele que encheu muita gente de esperança e influenciou seu jeito de viver vida afora.
Há coisas interessantes feitas sob o manto do socialismo cubano. O país tem medicina de boa qualidade e nível de escolaridade alta, por exemplo. Todavia, não apenas pela pressão dos EUA, particularmente depois do fim do império soviético, os ganhos se deram à custa do cerceamento da liberdade.
Recentemente, a presidente Dilma esteve em Cuba e deu uma mancada ao fugir do debate sobre a existência de presos políticos e de outras formas de constrangimento individual naquele país. Não bastasse negar-se a falar da situação, jogou luzes sobre o absurdo de Guantânamo e, dando mostras de um comportamento de líder justa e altruísta, chamou a atenção para o fato de a situação brasileira, no que tange aos direitos humanos, não ser exemplar.
Muito bem, não discordo da presidente, a situação nos EUA e no Brasil tem de melhorar muito, mas e a de Cuba? O Brasil não quer fazer mais negócios lá? Então, bom momento para pressionar positivamente o país, clamando por maior liberdade. Quando for aos EUA, Dilma que trate de falar de Guantânamo. E, quando estiver no Brasil, arregace as manguinhas e cuide dos problemas de cá.
Tenho imensa simpatia por Cuba, até mesmo por seu ditador-mor, Fidel Castro. Mesmo cometendo erros, o país se arriscou a seguir adiante com aquela ideia (hoje chamada de maluca) de socialismo. Todavia, um país socialista, ao garantir o bem da coletividade, minorando as diferenças, deveria promover as individualidades. No socialismo, a individualidade não seria essa nossa — agarrada ao direito ao consumo desenfreado — e se basearia fortemente na liberdade de expressão e no compromisso de criar mentalidades críticas. Seria algo mais elevado. A diminuição das diferenças materiais entre os indivíduos deveria estimular o aumento de suas outras diferenças. Cuba, ao negar essa face da complexidade social, derrapa na curva. Pena.
Que raio caiu sobre minha cabeça para me meter em análise tão rasteira e desentendida da política internacional brasileira e do modelo de socialismo cubano?
Tem a ver com a proibição de Yoani Sánchez vir ao Brasil. Pela décima nona vez, o governo cubano proibiu a moça de sair da ilha. É uma questão seriíssima. E, do ponto de vista cubano, burra. Com a proibição, a imagem do país piora numa extensão maior do que ocorreria com as acusações que ela viesse a fazer.
Yoani Sánchez estudou filosofia e gosta de internet. É da geração Y (nome de seu blog, plataforma a partir da qual dialoga com o mundo), gente nascida na década de 1970 e batizada com nomes em que aparece a letra Y. Jovem. Inconformada como devem ser todos que se deparam com a delinquência das ditaduras. Corajosa, pois não se cansa de denunciar as atrocidades cometidas pelas forças governamentais, como a que recentemente levou à morte o ativista político Wilman Villar Mendoza. Na versão oficial, um marginal em greve de fome para angariar a simpatia das pessoas.
Negar a essa moça que circule no mundo faz com que eu reforce minha ideia de que Cuba não passa de uma ditadura, uma droga de ditadura. Mesmo que a medicina de boa qualidade esteja disponível a todos, Cuba é um país menor. Mesmo que todos estudem, Cuba é um país menor.
Será que um dia Yoani Sánchez vem? Não estou otimista.