16.3.12

Yoani Sánchez não vem


Cuba vive uma ditadura. Ponto final. Ou ponto e vírgula, sinal que induz a tomar fôlego e completar o raciocínio. Ditadura engendrada no maior movimento revolucionário da América, justo aquele que encheu muita gente de esperança e influenciou seu jeito de viver vida afora.
Há coisas interessantes feitas sob o manto do socialismo cubano. O país tem medicina de boa qualidade e nível de escolaridade alta, por exemplo. Todavia, não apenas pela pressão dos EUA, particularmente depois do fim do império soviético, os ganhos se deram à custa do cerceamento da liberdade.
Recentemente, a presidente Dilma esteve em Cuba e deu uma mancada ao fugir do debate sobre a existência de presos políticos e de outras formas de constrangimento individual naquele país. Não bastasse negar-se a falar da situação, jogou luzes sobre o absurdo de Guantânamo e, dando mostras de um comportamento de líder justa e altruísta, chamou a atenção para o fato de a situação brasileira, no que tange aos direitos humanos, não ser exemplar.
Muito bem, não discordo da presidente, a situação nos EUA e no Brasil tem de melhorar muito, mas e a de Cuba? O Brasil não quer fazer mais negócios lá? Então, bom momento para pressionar positivamente o país, clamando por maior liberdade. Quando for aos EUA, Dilma que trate de falar de Guantânamo. E, quando estiver no Brasil, arregace as manguinhas e cuide dos problemas de cá.
Tenho imensa simpatia por Cuba, até mesmo por seu ditador-mor, Fidel Castro. Mesmo cometendo erros, o país se arriscou a seguir adiante com aquela ideia (hoje chamada de maluca) de socialismo. Todavia, um país socialista, ao garantir o bem da coletividade, minorando as diferenças, deveria promover as individualidades. No socialismo, a individualidade não seria essa nossa — agarrada ao direito ao consumo desenfreado — e se basearia fortemente na liberdade de expressão e no compromisso de criar mentalidades críticas. Seria algo mais elevado. A diminuição das diferenças materiais entre os indivíduos deveria estimular o aumento de suas outras diferenças. Cuba, ao negar essa face da complexidade social, derrapa na curva. Pena.
Que raio caiu sobre minha cabeça para me meter em análise tão rasteira e desentendida da política internacional brasileira e do modelo de socialismo cubano?
Tem a ver com a proibição de Yoani Sánchez vir ao Brasil. Pela décima nona vez, o governo cubano proibiu a moça de sair da ilha. É uma questão seriíssima. E, do ponto de vista cubano, burra. Com a proibição, a imagem do país piora numa extensão maior do que ocorreria com as acusações que ela viesse a fazer.
Yoani Sánchez estudou filosofia e gosta de internet. É da geração Y (nome de seu blog, plataforma a partir da qual dialoga com o mundo), gente nascida na década de 1970 e batizada com nomes em que aparece a letra Y. Jovem. Inconformada como devem ser todos que se deparam com a delinquência das ditaduras. Corajosa, pois não se cansa de denunciar as atrocidades cometidas pelas forças governamentais, como a que recentemente levou à morte o ativista político Wilman Villar Mendoza. Na versão oficial, um marginal em greve de fome para angariar a simpatia das pessoas.
Negar a essa moça que circule no mundo faz com que eu reforce minha ideia de que Cuba não passa de uma ditadura, uma droga de ditadura. Mesmo que a medicina de boa qualidade esteja disponível a todos, Cuba é um país menor. Mesmo que todos estudem, Cuba é um país menor.
Será que um dia Yoani Sánchez vem? Não estou otimista.

5 comentários:

lucia disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
lucia disse...

Fui a Cuba há 11 anos e o que senti lá foi pena do povo. Um povo alegre como o nosso, mas infeliz. Sem liberdade não há como ser feliz. Muito legal a crônica.

No Osso disse...

Lúcia, nunca fui a Cuba (ainda), mas tenho essa impressão de que somos povos irmãos. Por isso, acho uma pena que nossa presidente não tenha aproveitado a oportunidade para se posicionar frente ao desrespeito com os direitos humanos cometido na Ilha.
Obrigado pela visita.

No Osso disse...

Comentário da Maria Balé (esse blog, sei lá por que cargas d'água, não permite que algumas pessoas postem comentários nele):

Alexandre, considerações sobre Cuba, uma ditadura que reduz uma nação vocacionada à alegria a uma reles ilha à deriva serão sempre uma luz na escuridão da estupidez. Seu texto prima pelo questionamento, o que, pra mim, é a condição para merecer que exista e que seja lido, pensado e apreciado. E, antes de tudo, nos brinda com essa preciosidade do poeta nicaraguense. Adoro! Um beijo, Maria Balé

Dag Bandeira disse...

Essas questões para mim também são muito difíceis de ser entendidas e/ou comentadas, mas concordo com a Maria Balé, quando diz: 'Seu texto prima pelo questionamento, o que, pra mim, é a condição para merecer que exista e que seja lido".
Sinto pelo povo cubano, que aprendi a amar quando li, ainda jovem, 'Nosso Hmem em Havana' de Graham Greene, um afeto incrível.
E para ri um pouco diante desses fatos tristes e vergonhosos,digo: só não gosto de Cuba quando está jogando vôlei contra o Brasil.