29.6.12

Dica de um Rio menos óbvio



Quem vem ao Rio vai à praia. E dança na Lapa. E toma o bonde para o Cristo — para Santa Teresa, enquanto as autoridades tentam limpar a caca daquele acidente, não. Também é possível ir ao Pão de Açúcar e até mesmo, como adoram os estrangeiros, subir os morros, visitar as favelas. Alguns, neste caso, vão para ver a solução de engenharia e arquitetura encontrada, ou para ver a vida das pessoas numa urbanidade tão distinta. Mas muitos vão mesmo como se fossem ao zoológico ver o bicho enjaulado nas grades da pobreza. Seja como for, o Rio é uma cidade aberta à visitação, não resguarda sua beleza e suas contradições de ninguém.
Porém, há o Rio menos óbvio. E nele estão listados museus e centros culturais fantásticos. Dos exuberantes e aclamados — Centro Cultural Banco do Brasil, Teatro Municipal, Museu de Belas Artes etc. — aos miúdos ou mais modestos — Museu de Arte Popular Brasileira, Casa de Rui Barbosa, Museu Nacional, não sei quantos mais. Cada um tem seu charme, sua característica.
Não bastasse isso, há um projeto no Rio, o “Música no Museu”, que adiciona ao acervo dos museus música. Música da melhor qualidade, clássica ou não, instrumental ou não. Eventos gratuitos, abertos a músicos novos e outros já consagrados, brasileiros ou estrangeiros. Se alguém vier à cidade maravilhosa, visite o site do projeto e tome nota da programação. Garanto que a mistura praia e boa música, adoçada com obras de artistas plásticos que vão do popular à vanguarda, não faz mal, nem tem efeitos colaterais maléficos. No máximo, você, que foi ouvir Villa-Lobos, saiu de lá uma pessoa melhor, fortalecida. Acontece.
A ideia de falar do “Música no Museu” veio à tona porque, dia desses, no meio da tarde, recebi um e-mail anunciando um recital. Quem o enviou foi um amigo alemão, o Johannes Defner. Ele e Geisa Felipe tocariam, como parte da programação desse projeto, um repertório de música brasileira (Baden Powell, Villa-Lobos, Altamiro Carrilho e outros).
Conheci Johannes por intermédio do Paulinho, amigo que foi viver na Alemanha, casou-se e teve filhos por lá, mas que, quando chegou a hora prematura de cruzar a derradeira fronteira, escolheu vir passar seus últimos dias aqui conosco (seus pais, irmãos e amigos). Trouxe a mulher e os filhos. Nos seus últimos trinta dias, mesmo sofrendo, não deixou de nos acolher. Paulinho era assim, um ser sociável, até mesmo na hora indesejada.
Paulinho apresentou Johannes à Geisa. Ela, uma menina que saiu do Brasil para estudar flauta na Alemanha e caiu nas graças de Paulinho e Ilse, sua esposa. O que cimentou as amizades comandadas por Paulinho mundo afora foi a música brasileira — em particular o choro e o samba. Ilse, doutora em violão, já estudava nossa música e, imagino, a paquera entre ela e Paulinho começou por aí. Johannes, hoje, depois de intensificar sua relação com o Brasil, toca violão que nem esses meninos da Lapa. Ganhou cancha tocando choro lá na terra de Bach, acompanhando, primeiro, o Paulinho e, depois, a Geisa. Ele ainda compõe música brasileira sem cerimônia. Quem quiser conhecer um pouco do trabalho do alemão, passeie por aqui.
Geisa, por sua vez, é uma “menina prodígio”. Aos nove anos de idade, levada pela mãe para estudar flauta (a mãe incluiu a música na educação das filhas por acreditar que isso facilitaria o aprendizado de matemática, de português, enfim, das matérias tradicionais), foi descoberta por um professor. Ele, dedicado a alunos de mestrado, deu um passo atrás e foi lapidar o talento dela. Não deve ter se arrependido, pois Geisa se formou em Freiburg, Alemanha, com conceito máximo. Saiba um pouco mais sobre ela dando um pulo aqui.
Para além da emoção experimentada pelo recital, síntese de tantas coisas (a beleza da música, as amizades que se fazem de maneira especial, a sombra do Paulinho que, por Deus, nunca nos abandona), fiz contato mais de perto com esse projeto, “Música no Museu”. E gostei tanto que rascunhei esse guia turístico de um Rio menos óbvio, talvez o mais interessante.