29.1.13

Coisas da prima


Filha da tia Expedita e do tio Tonico, Rita é a prima que inspira esta crônica. Morava na Primeira Chapada antes de sair de Passos, há tempos. Casou-se em Ribeirão Preto com um bom Edson e, mesmo naquele calor medonho, ela e ele trouxeram à luz André e Thiago.
Rita é a maior contadora de casos do mundo. Ela memoriza as histórias, sabe encontrar o lado jocoso de cada uma delas e, quando se dispõe a contá-las, tem a manha de como segurar a plateia. Quem a conhece talvez concorde comigo; os outros, principalmente os muito jovens, terão de botar fé na minha afirmação — ou acompanhar esta crônica e tirar as próprias conclusões.
Sem o charme da prima, conto uma das inúmeras que ouvi dela. Eu a conto porque, neste mundo de urgências e importâncias superlativas, essa história é, como a maioria do repertório da Rita, sem importância alguma. É apenas caseira... e deliciosa. Com ela, o mundo fica assim também: caseiro e delicioso. Por alguns momentos. Que seja!
Ocorreu em Passos entre os anos de 1950 e 1960. Época festiva, de muitos bailes, acabou, sem querer, fissurando a felicidade de um casal bom de dança. Quem olha de fora os dramas alheios tende a achá-los miúdos, coisa de somenos. Não sejamos assim, “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é” (Caetano Veloso). O casal com problema dançava o fino, poucos chegavam a seus pés, mas, e aí estava o busílis, entrava mudo e saía calado da pista.
Certa vez, por exemplo, bem ao lado do casal, uma dupla desengonçada, tropeçando nos próprios pés, vagava alegre e falante música adentro. A moça ria, o rapaz falava. O rapaz ria, a moça falava. Outro casal mais adiante nem sequer dançava, isso mesmo, nem sequer dançava. Ficava parado no salão, jogando os ombros para um lado e para o outro sem sair do lugar. Em compensação, quanto assunto! Ela se afastava, tirava uma das mãos do rapaz e acrescentava gestos a um assunto infindável. Ele franzia a testa, muito concentrado naquelas palavras. Educado, quando encontrava uma brecha, falava baixinho, olhando bem nos olhos da parceira. E balanga pra cá, balanga pra lá. E tititi, tititi, blablablá, blablablá. O casal com problemas saiu da pista arrasado, apesar de ter dado, como de costume, um show no foxtrote, na valsa, em tudo que a orquestra soprou.
Baile na Roça - Di Cavalcanti.

Outro dia, antes do baile, a mulher chamou o companheiro a um canto e espetou-o com o tridente de sua diabólica inveja.
Ele não reagiu com menosprezo, ao contrário, concordou com ela, pois sentia-se desmoralizado socialmente. Onde já se viu aquele silêncio? O que achariam deles? Um casal com problemas de relacionamento? Casamento de fachada? Tomassem uma decisão.
Decisão... Essa estava dada, bastava falar um com o outro. Mas o quê? Falar, a bem da verdade, poderia atrapalhar o casal, perturbar o entrosamento rítmico cobrado pela dança. Diante da possibilidade de dançar mal, abateu sobre cada um o silêncio dos silêncios. Nem música, nem nada ali entre eles. A solução acabou assaltando, de estalo, a cabecinha inteligente da mulher.
No baile daquela noite, o casal dançou e falou exultante. Para ser sincero, não foi exatamente uma fala. Eu conto.
Mal colocaram os pés no salão, ela disse: “1, 2, 3”, e ele emendou: “4, 5, 6”. Daí, ela: “7, 8, 9”.
Numa animação de dar inveja, contando de três em três, vararam a noite sem arredar os pés do salão.

3 comentários:

FB disse...

É primo... e você, sempre nos brindando com suas "estórias" e "histórias", caseiras e deliciosas, nos blinda também das demandas diárias desse mundo faminto... Viajei! Abração. FB

People MR disse...

Que delícia de conversa! Deveria virar mantra entre os casais...123, 456, 789...
Muito boa!

Criba disse...

Sensacional. Gosto do caso dela do "Par de Cílios". O nosso bom Edson ficou consternado quando a sua esposa queria comprar, a todo custo, cílios novos na rodoviária de Passos. Saudades da Rita e do povo de Divinolândia.