7.7.13

ABC da rata

Não sei quem e quantos conhecem a expressão “dar uma rata”. Significa cometer uma gafe, dar uma mancada. O sujeito que dá ratas é o sem-noção, o mané, não sei mais quais adjetivos aproximam a expressão tirada do fundo do baú de outras hoje em voga. Pouco importa, não estou aqui para platitudes vocabulares e sim para destrinchar a rata com um pingo de didática; e só.
A rata pode ser da alçada íntima, por exemplo, alguma estranheza que, sem saber, um ou outro do casal recém-formado deixa escapar durante o sono: uma frase enigmática balbuciada entre dentes; uma virada de lado com energia descabida e distribuição de socos ao deus-dará. Ratas íntimas e inconscientes são para deleite e análise de Freud, não para o meu. As conscientes, ou pelo menos aquelas que encontram os namorados acordados, interessam mais ao meu rascunho didático. Um segredo revelado numa mesa entre amigos ou uma reclamação do caráter do parceiro na casa dos sogros são ratas típicas. E doloridas. Quem viveu, sabe; quem não, esteja preparado, acontece com alguma frequência.
Pode-se definir a rata coletiva, cometida por um amigo e absorvida pelos demais. Quando adolescente — na realidade, pré-adolescente, ali com uns doze anos —, o Mosquito (que foi feito dele?) foi operado de fimose, e uma amiga não sabia que diabo era isso. Num tempo em que sentíamos vergonha de fazer comentários sobre aquela região do corpo que até nossos pais não costumavam nomear, não encontrávamos palavras para tirar a inusitada dúvida. Apostamos na generalidade: tratava-se de uma cirurgia feita com o propósito de não inibir o crescimento. Não dissemos do quê, mas, se bem me lembro, fizemos um gesto. A amiga, incapaz de perceber a sutileza de nossa comunicação e sabendo, como todos sabíamos, que o Mosquito não era um menino alto, diagnosticou que ela também deveria render-se ao bisturi, pois era baixinha além da conta. A rata dela virou folclore entre nós, mais que isso: tornou-se nosso patrimônio coletivo. Sempre que nos encontramos, relembramos o bafo. Para quem chegou depois, maridos e mulheres que não pertenciam ao grupo, rata, rata mesmo, é contar e recontar coisa tão desimportante — e sem graça. Essas ratas fraternas, na prática, alinhavam e sustentam as relações duradouras. É a rata mosqueteira: uma por todos, todos por uma.
Nas barbas da diplomacia, prolifera a rata internacional. Não pode ser confundida com atrocidades do tipo invadir países ou promover golpes de estado. A rata internacional é o rei da Espanha mandando Hugo Chávez calar a boca. Ou Reagan dizendo que Buenos Aires é a capital do Brasil. É coisa mais jocosa que grave, mas, nem por isso, isenta de danos. A Guerra de Troia começou com uma rata: entre todos os deuses, a deusa da discórdia, Éris, foi a única não convidada para o casamento de Peleu e Tétis (que viriam a ser os pais de Aquiles). Ora, não deu outra: a deusa, vingativa e manipuladora, fez e aconteceu, jogando, ainda que de forma indireta, Paris nos braços de Helena, a esposa de Menelau. Daí em diante foi o que foi; se é que foi.

Haverá — é lógico, mas não se prova — a rata intergaláctica. Vai que a noite e o dia (resultado de uma complexa engrenagem), do ponto de vista de galáxia distinta da nossa, não passem de um tropeço risível do sistema solar. Ou que um cometa, que só de rai e rui corre visível a olho nu pelo céu, equivalha a um pum impertinente, que escapa no meio de uma reunião de negócios. A ideia de rata nesse nível não parece desajuizada, embora poucos se preocupem com ela, talvez nem mesmo, ou muito menos, a própria cosmologia.
Deus comete ratas. Os muito céticos afirmam que o homem e a mulher foram um erro divino. Não vou discutir essa questão delicada, que julga o ato divino, que o considera errado. Não vou por aí, meu foco é a rata, coisa miúda. E a rata de Deus foi dar próstata ao homem e marcar o ciclo da mulher com a menstruação. Havia soluções de engenharia ou arquitetura mais eficazes.