9.9.13

Conselhos (quase) inconsequentes

Desarme a polícia.
Libere as drogas.
Proíba a publicidade governamental.
O poder não legisla, julga ou administra em nome de Deus (ou de Deuses). O bagulho é entre nós.
Rir pelo menos três vezes ao dia é bom para a saúde. Rir do governo, do vizinho ou de nós mesmos — não necessariamente nessa ordem. O governo também deve ser saudável, assim deve rir do governo, por óbvio, de outro governo, por exemplo, o nosso poderá rir do americano ou do russo. No caso do vizinho, o governo não reservará seu riso apenas para a  fronteiriça Argentina, devendo contemplar do mesmo modo andinos, caribenhos e platinos. Numa coletiva o governo rirá de si mesmo.
Reuniões entre agentes do governo e entre eles e agentes não governamentais poderiam ser filmadas, transmitidas ao vivo e mantidas na internet por tempo indeterminado. Nada de edição.
São péssimas as soluções de emergência, logo que se faça uso delas apenas quando de fato houver urgência (desastre natural, invasão das fronteiras). Diante das manifestações populares, o governo decide... Nada disso: diante das manifestações populares, o governo ouve antes de sugerir.
Incentivar artista, empresário, agitador cultural, enfim, todo aquele que receber dinheiro público (ainda que por renúncia fiscal) a escrever e tornar público um texto com críticas ao governo (seu mecenas). Construtivas, se achar por bem. Se optar por crítica leve, um senão à roupa usada pelas autoridades, que, em seguida, aponha outra mais contundente, que ajude o governo e o próprio estado a serem mais justos.
Imagem tirada daqui.

Uma vez por mês, formar uma mesa de biriba com os chefes do Executivo, do Legislativo e o do Judiciário. Transmitida ao vivo, claro. Depois de um ano, aquele que fizer mais pontos terá direito a um mimo do Estado: uns dias mais de poder, isenção de imposto de renda ou qualquer coisa que faça os jogadores lançarem mão de todas as suas artes e artimanhas para ser o vencedor.
O presidente, pelo menos duas vezes por ano, os governadores, quatro vezes, e os prefeitos, doze, bem que poderiam passar um dia inteiro na rua olhando as modas. As escolhas de por onde flanar respeitariam a diversidade: um dia de Leblon e outro de sertão sem chuva. Durante esse dia, o chefe do Executivo estaria obrigado a entrar num boteco, pedir um café, contar uma piada. E ouvir, ouvir muito.
Abrir as seções eleitorais para o eleitor arrependido justificar seu arrependimento e deseleger o antes eleito. Como consequência, a prática de desvoto de cabresto seria crime.

3.9.13

João

“Deus é propício” ou “graça divina” são significados dados ao nome João. Entre aqueles que fundaram a era cristã, dois Joões se sobressaíram: João Batista, que batizou Jesus, seu primo, e João Evangelista, o mais longevo dos apóstolos.
Meu padrinho era João, mas ninguém o chamava pelo nome. Lôzo, o apelido. Não se casou. Gostava de tomar uns tragos. Fumou bastante e, por isso, um câncer na boca desdentada havia não sei quanto tempo.
O primeiro a quem chamei de João, porque João era, foi meu tio João Ernesto. Sobrevivera a um derrame, tinha dificuldades motoras e brincava de boneca. A casa na qual ele e tia Maria viviam, na rua Formosa, tinha um quê de magia: na sala, um homúnculo de madeira batendo um pequeno sino anunciava as horas no relógio de parede e, no quintal, um banco que eu só via nas praças ficava a minha disposição para subir, deitar, pular e até me sentar nele para ficar, menino ainda, burilando minhas primeiras caraminholas.
Foto do relógio de tio João Ernesto e tia Maria (foto cedida por seus netos Guilherme e Vanessa).

João Batista virou Tista, amigo de escola em cuja casa a Bá torcia, como eu, pelo Botafogo. João Gaiola, hoje perdido no tempo, decerto gostava de prender passarinho. Nós todos gostávamos. Deixei de gostar ainda criança.
Tratavam o João Veloso como retardado. Dançava sozinho tanto na pista das matinês dançantes quanto na rua, neste caso para chamar chuva. Houve uma época em que ele passou a visitar a casa de meus pais — com seus prováveis um metro e noventa apanhava mangas na árvore alta e custosa. Foi quando descobri sua inteligência. Retardado não era — era (deve ser ainda) um ser especial, que, quando queria, fazia chover.
João Timponi, um terapeuta para meus dezoito anos de muitas incertezas e certa gana de ferir o mundo com a unha.
Quando ouvi o “Amoroso”, de João Gilberto, comecei a prestar atenção à dobradinha técnica e emoção. Uma vez, num bar no Leblon, sem razão aparente, eu estava sentado no banquinho do piano. João Donato cutucou um de meus ombros e pediu licença para se sentar ali e improvisar uma coisinha. Com aquela trilha musical, tive a ilusão de que a vida é sempre generosa.
João Cabral de Melo Neto, João Guimarães Rosa, João Gilberto Noll: Joões para meu bico de leitor respeitoso. João Paulo Vaz e João Bastos são de outra natureza: dividimos nossos originais, portanto o que espero deles — e acho que eles esperam o mesmo de mim — é que não respeitem em demasia meus rascunhos.
Chegou meu dia de ser pai; isso há tempo. O primeiro filho, João. Não para homenagear alguém. Foi o gosto comum meu e da Bia. Meus pais, que não escolheram nomes bíblicos para os filhos, estranharam. Não liguei — não ligamos. Meu João, hoje um homem, um homem que admiro, caça seu rumo. E viver não é outra coisa senão caçar o rumo, sabendo-se que o rumo adora brincar de pique-esconde.