3.9.13

João

“Deus é propício” ou “graça divina” são significados dados ao nome João. Entre aqueles que fundaram a era cristã, dois Joões se sobressaíram: João Batista, que batizou Jesus, seu primo, e João Evangelista, o mais longevo dos apóstolos.
Meu padrinho era João, mas ninguém o chamava pelo nome. Lôzo, o apelido. Não se casou. Gostava de tomar uns tragos. Fumou bastante e, por isso, um câncer na boca desdentada havia não sei quanto tempo.
O primeiro a quem chamei de João, porque João era, foi meu tio João Ernesto. Sobrevivera a um derrame, tinha dificuldades motoras e brincava de boneca. A casa na qual ele e tia Maria viviam, na rua Formosa, tinha um quê de magia: na sala, um homúnculo de madeira batendo um pequeno sino anunciava as horas no relógio de parede e, no quintal, um banco que eu só via nas praças ficava a minha disposição para subir, deitar, pular e até me sentar nele para ficar, menino ainda, burilando minhas primeiras caraminholas.
Foto do relógio de tio João Ernesto e tia Maria (foto cedida por seus netos Guilherme e Vanessa).

João Batista virou Tista, amigo de escola em cuja casa a Bá torcia, como eu, pelo Botafogo. João Gaiola, hoje perdido no tempo, decerto gostava de prender passarinho. Nós todos gostávamos. Deixei de gostar ainda criança.
Tratavam o João Veloso como retardado. Dançava sozinho tanto na pista das matinês dançantes quanto na rua, neste caso para chamar chuva. Houve uma época em que ele passou a visitar a casa de meus pais — com seus prováveis um metro e noventa apanhava mangas na árvore alta e custosa. Foi quando descobri sua inteligência. Retardado não era — era (deve ser ainda) um ser especial, que, quando queria, fazia chover.
João Timponi, um terapeuta para meus dezoito anos de muitas incertezas e certa gana de ferir o mundo com a unha.
Quando ouvi o “Amoroso”, de João Gilberto, comecei a prestar atenção à dobradinha técnica e emoção. Uma vez, num bar no Leblon, sem razão aparente, eu estava sentado no banquinho do piano. João Donato cutucou um de meus ombros e pediu licença para se sentar ali e improvisar uma coisinha. Com aquela trilha musical, tive a ilusão de que a vida é sempre generosa.
João Cabral de Melo Neto, João Guimarães Rosa, João Gilberto Noll: Joões para meu bico de leitor respeitoso. João Paulo Vaz e João Bastos são de outra natureza: dividimos nossos originais, portanto o que espero deles — e acho que eles esperam o mesmo de mim — é que não respeitem em demasia meus rascunhos.
Chegou meu dia de ser pai; isso há tempo. O primeiro filho, João. Não para homenagear alguém. Foi o gosto comum meu e da Bia. Meus pais, que não escolheram nomes bíblicos para os filhos, estranharam. Não liguei — não ligamos. Meu João, hoje um homem, um homem que admiro, caça seu rumo. E viver não é outra coisa senão caçar o rumo, sabendo-se que o rumo adora brincar de pique-esconde. 

9 comentários:

Helena Brandão disse...

E que bom que temos esse nosso João em nossas vidas.
Lindo, lindo, pai!!

Beijoss

No Osso disse...

O chatinho é fph...o... da, né, filha?

Unknown disse...

Quem gosta de um João levanta a mão !! Adorei a crônica de hoje!

beth brandao disse...

Compadre Xandão, muito bom ler sua crônica sobre os Joãos de sua vida.Amei! Você e Bia me ofereceram seu primogênito João para minha vida.É uma alegria para mim. Agora que ele tem autonomia de vida, quase não o vejo, mas está sempre no meu coração e orações.E daqui a 2 dias ele estará celebrando mais um aniversário.me lembro até hoje quando o vi pela 1ªvez. pura emoção. Que Nossa Senhora proteja vcs. beijinhos

Udo Baingo disse...

Parabéns, mas faltou um João músico, João Sebastião Ribeiro, o Johann Sebastian Bach. :)

João Pagliuso disse...

Parabéns de um admirador: joão

No Osso disse...

Marisa, seu João é um dos especiais, criança linda pra caramba.
Tia Beth, e você foi a primeira a ver o João ao nascer (quer dizer, depois de mim e da Bia). Por isso ele é seu também.
Udo, menino, esse tal João Sebastião merece uma dúzia de crônicas.
João Pagliuso, você não está nesta crônica porque você só entra naquelas em que me lembro que já te estilinguei mamonas sem pena.

Patrícia Pessôa disse...

Nossa, conheço muitos desses Joões deste seu escrivinhado e adoro o nosso querido João Jão. Adorei ler esta crônica. bjs!

Lilibeth Cardozo Roballo Ferreira disse...

Tenho um João também. Nasceu com baixo peso , miúdo e dormia o dia todo para ser um boêmio das mamadeiras a noite. Hoje não bebe um gole e nada de boemia.É um homem que é primeiro em tudo. Atleta, já fez Iron man e bateu recordes. O mais novo de uma turma de excelência no COPEAD. O cara é F*! Filho amoroso, marido carinhoso de sua Mariana e agora pai de uma Maria! Meu João é um dos acertos de rumo nas minhas muitas caminhadas. Celebremos nossos Joãos!