3.4.14

Primos, Prumos e Planos

Lembrança de primo quase sempre tem conotação sexual. Os primos estão associados à brincadeira de médico, forma de iniciação que, pelo menos no passado, era comum. Não, por favor, não esperem revelações de minha parte, mesmo porque minhas primas sempre foram moças muito distintas, e sua chegada ao mundo adulto se deu com uns caras que, se pudesse, eu trucidava.  Exagerei.
Exagerei bastante, ainda mais levando-se em conta que o que desejo falar não tem nada a ver com sexo. Tem a ver com primo. É isto: quando a crônica começa errado é difícil salvá-la. Portanto esse início claudicante fica de exemplo para futuros cronistas. Rapazes e moças, nunca comecem uma crônica desse modo troncho.
O fato é que perdi um primo, o Wanderley. Primo em primeiro grau, mais velho que eu. Somos de uma família enorme, meu pai e o pai dele eram apenas dois de vinte e um irmãos nascidos — dos quais quatorze cresceram e, quase todos, se multiplicaram. Meu pai era o mais novo dos homens, e tio Manuel, pai do Leley, um dos mais velhos, o que explica nossa diferença de idade. 

Eu e Leley num improvável encontro numa praia oceânica de Niterói, em jan/11.

Leley era um sujeito ligado à alegria. Como todos, tinha seus perrengues, mas não me lembro de ele fazer fé nos maus momentos. Pelo jeito, citando Noel, nem no frio ele cria muito. Era um tipo solar. Deu sorte por ter se casado com uma mulher bonita, aliás, linda. Eu me amarrava em pegar no pé dele, insinuar que ele era rico, pois bonito não era — eu dizia que ele era mesmo feio —, logo, não fosse a grana, não havia como explicar esse casamento. Ríamos dessas bobagens. Agora a bomba: o tempo me fez ficar parecido com o Leley. Não exatamente de rosto, muito menos de jeito, mas, feito ele, tenho os cabelos brancos e as sobrancelhas negras. E também me casei com uma mulher bonita. Não somos ricos, mas temos um tchã qualquer.  Quer dizer, ele tinha. Não, ele tem.
De primo a prumo. Uma cidade, qualquer delas, não vive sem verde. Os bulevares, os parques, as praças públicas são o fator de equilíbrio nos aglomerados urbanos. Tanto no espaço público como no privado, Passos não cuida com carinho de seu verde. Tenho visto pessoas que, comprando uma casa, tratam logo de derrubar as árvores do quintal, transformando-o numa área de cimento. Por outro lado, não tenho visto um compromisso público de esverdear a cidade, o que a tornaria mais bonita, mais fresca e mais segura contra as tormentas. É uma pena, e, mais que isso, é um desastre. A luta — com minha amiga Isabel Pereira na dianteira — que se vem travando pela preservação da árvore centenária que nasceu e ironicamente vive na praça do cemitério pode ser o início de uma mentalidade verde entre os conterrâneos. Que ela prospere.
Tenho poucos planos. Quase nenhum, para falar a verdade. Sou um sujeito de ambições limitadas. Nem mesmo em sonhos, conscientes ou não, já me ocorreu me ver como ministro, prêmio Nobel, um magnata montado na grana. Tudo que quero é ler mais e escrever mais. Exatamente nesta ordem: ler primeiro, escrever depois. Porém não sou um acomodado. Tenho um plano. Um. Acho que já no ano que vem vou colocá-lo em prática. Se tudo der certo, vou mentir mais. Por quê? Ano que vem eu conto.

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