23.2.15

Preciso escrever uma crônica




Preciso escrever uma crônica sem medidas. Gorda e linda. Um pouco excessiva, por isso mesmo enxuta, e que dê conta de tudo, do que está sobre a água e do que soçobrou milênios de anos atrás. Apesar dessa ingerência no tempo, que ela não dê conta da passagem das horas e de seus desdobramentos. Nem nostálgica nem pretensiosa, mal conectada à sombra do futuro. Uma crônica — como de fato deve ser — de hoje para hoje. Imensa e miúda.
Preciso escrever uma crônica que nem acorde nem adormeça ninguém, mas que, ao acordado, leve uma réstia de descanso e, ao adormecido, uma côdea de consciência. Uma crônica claudicante nas suas certezas e muito determinada em seus desvãos. Crônica para o amigo na UTI e para a filha da amiga que prepara o casamento. Para alegres e tristes. Deus e o diabo.
Minha necessidade não tem a ver com a obrigação de entregar o material para edição, mas sim com urgências pessoais, inexoráveis. Não quero calar a boca nesse mundo estúpido, que resolve tudo na bala, covarde que só vendo. Não quero, entretanto, cair na armadilha desse mesmo mundo, objetivo e interesseiro, e virar um gatilho, um fogo contra o peito daquele que não conheço, daquele com o qual não concordo. Há espaço para todos nós, digo ou quero dizer com a crônica que, a ponto de sair (feito a bala da arma), me coça o dedo.
Vejo a jovem democracia brasileira cair pelas sarjetas, como se fosse os bêbados de um carnaval mal bebido e mal pulado. Quanto custou a democracia a uma geração não conta, e os mesmos que lutaram por ela vão aos poucos encurralando-a num canto. Já ouço gritos de “curra, curra”. Há uma torcida pelo pior. Quando sangrarmos a mulher dos trinta anos — tão bem cantada por Balzac —, nos descobriremos incapazes. Correremos dos homens, da polícia, mas haverá pouco espaço para nos esconder e, além do mais, por que voltaremos a viver escondidos, exilados? Vamos nos repetir?
Escrevo a partir do meu ponto de vista, longe da sabedoria, na medida em que caminho com meus pés no chão esburacado das minhas impressões. Assim, claro, posso estar errado. Todo esse disse-me-disse e esse o-ladrão-é-ele podem ser apenas desajustes temporários, coisa que passa. Se for assim, que o acerto não venha pelas graças de um salvador da pátria.
Preciso escrever uma crônica bêbada, mas protegida das ressacas física e moral. Uma crônica que arranque um riso do sisudo e um quê de preocupação do desavisado. Tenho urgências, já disse. Mais que urgências, tenho comichões de escrevê-la e, com ela, pescar não os aplausos dos leitores, mas o apaziguamento das minhas dúvidas, estas que são atiçadas com o carvão da minha covardia.
Preciso escrever uma crônica que seja um grito que me escapa, no qual eu diga — sem saber sugerir um remendo, uma solução — não, não é assim que construiremos um país. Não mesmo.
Vou me sentar para tentar escrever tal crônica, se é que já não a escrevi.

3.2.15

Qual é, solidão? em um comentário de Dag Bandeira

A professora e escritora Dag Bandeira fez o seguinte comentário de Qual é, solidão?, editora Oito e Meio, em seu perfil no Facebook.


"Alexandre Brandão em Qual é, solidão? (Editora Oito e meio /Átame/ Autoria) nos apresenta 22 contos onde os personagens levam consigo muito mais convivência e congregação (sinônimos, eu sei) do que exílio e desamparo (outra vez sinônimos). A solidão, tema do livro de contos, está ali representada no seu mais amplo sentido filosófico: a busca da força interna dos personagens, o lado mais verdadeiro de suas existências. Por isso, ao lermos as narrativas literárias tão bem estruturadas e cheias de surpresas, nos deparamos com histórias que, longe de nos deprimir, nos mostram o que nós podemos fazer com o tempo em que convivemos conosco e nossas mazelas. A leitura foi uma aula de vida para mim. Confiram."