23.5.16

Perguntas à toa

Fazendo perguntas ao modo de Neruda

Você poderia me dar um silêncio de seu tempo?
Por que os cegos fecham os olhos ao recordar?
De vinte em vinte a gente ultrabraça o intocável?
Com quantas palavras é possível navegar um minuto?
Por que o riso fuma maconha?
Vovó contraiu o diabetes num beijo mal dado?
O que não estou vendo é uma chuva que brota do chão?
Quando me distraio eu roubo a alegria dos beduínos?
O dia brigou com a morte?
Aquele relógio estava desesperado?
A cor da ilusão esgana?
No céu, a terra é um esquecimento?
Os urubus salgam os próprios voos?
Se uma palavra for elevada ao quadrado nós nos entenderemos menos ainda?
Posso morrer depois de passar o café?
Você está rindo pra onde?
É possível acender cigarro em ovo?
As gotas invejam a enxurrada?
Alguma mulher pelada tentou entrar numa revista esquecida no banheiro?
O que pensa o escocês que só me viu em sonhos?
Dois e dois reconhecem algo além da matemática?
Do lado de lá dói?
O que o cansaço diria ao tempo?
Você poderia me dar um minuto do seu temperamento?
A função social do homem é prender o choro?
Qual o melhor remédio para não se curar de nada?
A histeria conhece os canais de Veneza?
Por que o mar não nos conta tudo?
Todas as palavras são inconstantes?
A sujeira tem saudades do esfregão?
O que meu pai fez com o não de minha mãe?
O sol também sabe?
O buraco da fechadura mede o poder que transfere aos olhos do curioso?
Se essa rua fosse minha eu seria menos órfão?
Chegaremos a tempo de adiar a noite?
De onde vieram as incertezas das perguntas?


Pablo Neruda, aparentemente num momento de indagação.

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