Apesar
de o calendário chinês dizer que 2016 é o ano do macaco, no Brasil estamos quiçá na era do porco. O campeão da primeira divisão do futebol é o Palmeiras, cujo mascote
é o porco. Um dos fiéis amigos do homem que ocupa o Palácio do Planalto, o ex-ministro
que tentou impor-se a outro ex-ministro e com isso garantir o sucesso de um
negócio privado, era chamado pelo Renato Russo, quando ambos eram adolescentes,
de porco. E porco também foi como Fidel Castro se referiu a Carlos Lacerda, na
época do golpe de 1964, conforme texto compartilhado numa rede social pelo
historiador Carlos Fico.
O porco virou
mascote do Palmeiras depois de ter sido, durante anos, a forma jocosa com que
os adversários destratavam o time. Ou seja, o Palmeiras construiu um castelo
com as pedras atiradas contra ele e fez do porco seu símbolo, desenhando-o não como
um bicho bonachão e lento, fácil de ser vencido, mas sim como um verdadeiro
super-herói, de semblante atlético e guerreiro. Jogada de marketing ou não, o
fato é que deu certo, a torcida se reconhece no porco, e o Palmeiras, que andou
pela segunda divisão, tornou-se o campeão de 2016, maldito ano estranho,
inclusive para o futebol, que termina a temporada chorando a tragédia sofrida pela
Chapecoense.
Em torno de
Carlos Lacerda, o porco de Fidel, há polêmica de sobra. Governador obreiro
(dele são o Aterro e a adutora do Guandu), político golpista (além de protagonista
em 1964, havia tentado, anos antes, impedir a posse de Juscelino),
administrador autoritário (removeu, na força bruta, várias favelas da zona Sul), foi ainda figura marcante no suicídio de Vargas. Enfim, um sujeito, feito
o próprio Fidel Castro, complexo. Perto dele, o não amigo de Renato Russo, agarrado
a escândalos desde a época dos anões do congresso, não passa de um
porquinho-da-índia, o roedor que não é nem porco nem da Índia e que, mesmo
sendo fofo a ponto de Manuel Bandeira declarar que sua primeira namorada havia
sido um deles, rói até os alicerces da casa, caso fique solto e sozinho.
Quando penso
no porco, porco, lembro-me dos Natais da minha infância. Neles, a leitoa era a
peça de resistência, o mais esperado dos pratos. Pois bem, os fornos
residenciais não davam conta de assá-la, então recorria-se às padarias, por
sua vez com capacidade limitada para atender a demanda. O plano B consistia em
levar a leitoa ao Bidu, no restaurante que ficava na zona, lugar que,
de repente, deixava de ser não franqueado a senhores casados e pais de família para
se transformar na salvação da festa cristã. Quanta senhora de respeito, em alto
e bom som, ordenava ao marido que fosse até a zona e pedisse ao Bidu que caprichasse.
E os pais, cumpridores de sua tarefa, aumentavam um ponto ao recado: "Bidu, capricha... Mas não
tenha pressa”. Os Natais eram festas alegres graças aos porcos, ao Bidu e às
putas, que muitos pais só apreciavam com os olhos e outros, com o corpo todo.
Wagner Tiso,
Pink Floyd, Hermeto Pascoal fizeram músicas pensando nos porcos. Tiso, em “A
morte do porco”, fez uma melodia triste, como é a própria morte desse animal
que não se cala diante do abate. “Pigs”, do conjunto inglês, levanta-se contra
os homens-porcos, ricos e poderosos, que, ao contrário das aves de Gonçalves
Dias, aqui grunhem como grunhem lá. Já Pascoal sapeca uma “Porco na festa” e
nela estribilha: “o mocotó tá duro pra danar/vou pedir de novo pra cozinhar”. Os
porcos estão na literatura (“Os três porquinhos” e “Porcos com asas”), no
cinema (“Montenegro ou porcos e pérolas” e “Babe, o porquinho atrapalhado”). O
cofre da poupança miúda tem formato de porquinho. O artista belga, Win Delvoye,
tem causado escândalo ao expor porcos tatuados cujas peles são vendidas a preços
exorbitantes para grifes famosas. Não estranharia se certos amantes chamassem
uns aos outros de porcos.
Porco é um bicho só para muitas coisas.
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