2.10.17

Nem para o passar do sol

Meu tio Wellington, o tio Elin, costumava dizer: “hoje não estou para nada, estou apenas para o passar do sol”. Falava como troça, zombeteiro que era. Não sei se a frase é de outra pessoa, mas que meu tio poderia ser seu autor não resta dúvida. Ele era desses sujeitos inteligentes, que desprezam a inteligência sisuda, preferindo levar a vida ao rés do humor. Foi uma das figuras mais marcantes na minha vida, e morreu cedo, muito cedo, mais ou menos com a minha idade hoje.

Não vou falar de meu tio, mas aproveitar o gancho da fala dele para dizer: amigos, hoje não estou para nada. Não estou para as minhas queixas. Não estou para as minhas limitações. Não estou nem mesmo para a tragédia que desaba sobre todos nós, neste Brasil que, apesar de não sei quanto em reservas cambiais, está falido. Falido de caráter. Falido de futuro. Não estou para nada disso.

Se um pássaro canta, meus ouvidos se fecharam antes. Se uma luz brilha, meus olhos se fecharam antes. Se um abraço me alcança, meu corpo se petrificou antes. Não estou para nada.

Não estou para o sorriso da moça. Não estou para a cerveja com o amigo. Não estou para o pôr do sol. Não estou para a lua.

Guerras não me interessam. O drama humano não me interessa. A festa não me interessa.

Não estou para o gol, nem para a grande defesa ou o erro do juiz. Não estou para a desfaçatez dos políticos. Não estou para a escrita. Hoje. Tudo isso hoje.

Mas eu sei, sei bem, sou um galo sozinho, todos vocês estão atentos e potentes. E como dizia João Cabral de Melo Neto: “Um galo sozinho não tece a manhã: / ele precisará sempre de outros galos.” Acrescento: não tece a manhã, tampouco a noite. Melhor assim.

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