16.10.17

Tomates e liberdade

É metafórico: um grupo que defende a devolução do poder aos militares jogou tomates num senhor que parece determinado a não deixar o presente cumprir sua sina de vir a ser futuro. Em permanente embate, o Brasil lançou ao ringue dois adversários que carregam em si o pior deste país cheio de piores. Vendo-me obrigado a torcer nas várias porrinhas do nosso dia a dia, dou de ombros, mas não lavo as mãos, e saio para caçar alguma esperança.

Encontro na Maré um pouco dela. Um pouco, eu disse. A solução não está inteiramente ali, claro que não, mas na Maré (nas favelas) há uma juventude que resiste sem fuzis e lamentações a isso que temos chamado de guerra às drogas. Essa juventude busca, por meio da palavra, da música, das artes plásticas, se meter entre o tráfico e o Estado para dizer que não aceita o papel que reservam a ela. Há ali uma força descomunal que, por sorte, encontra espaços de acolhida, como o Observatório das Favelas e o Centro de Artes da Maré (para ficar restrito à Maré). Aquela turma não vai se calar e vai cobrar seu espaço. Os passadistas e os que não querem perder o status quo serão engolidos por movimentos desse tipo, pois há um país novo brotando deles. Um país que é jovem, negro, feminino e elegante. O “Poetas Favelados” é a síntese disso tudo.
Silvana Mezenes, do site do Mulherio.


O Mulherio das Letras, cujo primeiro encontro se deu nesta semana em João Pessoa, é mais que um grupo de escritoras que busca chamar a atenção para o fato de que a presença das mulheres na literatura — e não só nela — tem relevância diminuída. Ao acontecer num estado do Nordeste e ao adotar um modelo no qual não há exatamente palestras, o encontro questiona várias coisas ao mesmo tempo, entre elas, a centralidade Rio-São Paulo e a verticalização num mundo — o da literatura e das artes de modo geral — no qual os artistas devem se posicionar a favor da igualdade e da proximidade.

Perspectiva da exposição "Faça você mesmo sua Capela Sistina"
A reação que os artistas — e não só eles — têm tido aos ensaios (em alguns casos, bem mais que ensaio) de censura é outro canto de esperança. Ouvi relato de uma mulher que, diante da manifestação ruidosa de alguns religiosos inconformados com a exposição “Faça você mesmo sua Capela Sistina” — de Pedro Moraleida, um artista plástico que morreu muito jovem —, resistiu à presença ameaçadora percorrendo, ainda que assustada, a sala do Palácio das Artes de Belo Horizonte de cabo a rabo. Logo depois, grupos faziam ato de protesto em defesa da exposição e, claro, da própria liberdade. Outros movimentos, com adesão de artistas conhecidos, têm se organizado para fazer frente aos censores.

Termino contando o que li em Frei Beto — num artigo n’O Globo, em 9 de outubro. O religioso diz que no século XVI a inquisição obrigou Daniele de Volterra a cobrir todos os nus que Michelangelo, seu mestre, havia pintado na Capela Sistina. João Paulo II mandou restaurar os originais uns quinhentos anos depois. Não sejamos os novos inquisidores. Não precisamos concordar com tudo, é até bom que não, mas vamos exigir que uma coisa só seja respeitada: a liberdade. 

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