1.4.18

Está tudo nas prateleiras

Digamos que a loja se encontre numa rua no coração de um centro comercial, como é o Saara, no Rio de Janeiro; a Vinte e Cinco de Março, em São Paulo; o Beco da Poeira, em Fortaleza; o Ver o Peso, em Belém, enfim, um lugar movimentado a qualquer hora do dia.

Bem na entrada, soa de uma caixa de som o anúncio das mercadorias, todas com preços camaradas. Ofertas de cair o queixo. Alguns reclames saem de uma voz empostada, que dita um texto sóbrio: a lista do que há de melhor, os preços, as promoções do tipo “leve três, pague dois”. Outros, não, são excessivos, farsescos. O tom resvala para uma ironia agressiva, sexista. Sempre é assim, pouco importa.

A loja está lá. Seus anúncios reverberam pela rua ou pelos corredores do mercado.

Ouve-se de uma locutora comedida: “Senhoras e senhores, hoje aqui a oferta é ímpar. Em nossas estantes, você pode escolher uma execução impecável contra aquela vereadora negra, bissexual e favelada. Não se esqueça e inclua, sem taxa adicional, o assassinato do motorista que estará prestando serviços a ela.” E continua: “À senhora, que passa agora, aviso que podemos embrulhar tudo isso em papel de vilipêndio, a última moda no mundo civilizado.”

Mais adiante, encontra-se um bufão cheio de gestos teatrais, não se sabe se é gay ou se apenas finge. Um exagero só. “Gostosão, meu bofe, entra aí, por qualquer dois contos você garante um extermínio de índios, aquele povo sem pelos, pelo amor do santo Deus, pra que serve aquilo? Ou mesmo dá fim de vez a esses negrinhos que, se ficam por aí, acabarão por fazer aquelas malditas músicas pornográficas que ninguém gosta.” Ele sussurra a um interessado: “Eu gosto, mas sou empregado, obedeço.” Insinua, por fim, que o cliente — macho, faz questão de falar — que adquirir aquela verdadeira ajuda celestial ainda vai ganhar um presente dele, o “anunciante serelepe”, como se autodenomina. Faz gestos com o microfone, e logo fica evidente do que está falando.

Não, não acabou, o mercado está precisando fazer dinheiro, por isso ficará aberto até as dez ou onze horas da noite. Na esquina, quem comanda o microfone já tem certa idade, a voz está cansada, mas ainda é forte e grave. Na lojinha dele, sumiço de religiosos metidos a comunistas, morte de estudantes por bala perdida, ditadura exercida por milicianos ou traficantes na periferia. Tudo coisa fina, o homem fala sem ênfase alguma (contam que uma de suas netas foi vítima de bala perdida comprada bem ali, no seu nariz). “Lá no fundo da loja, tem a mercadoria mais vendida de todas: acobertamento de crime, álibis lindos, verdadeiras joias feitas por ourives renomados.” Ao anunciar esse atraente produto, parece sobrar energia ao velho (novamente contam que, no final do ano, ele pretende comprar um para vingar a neta).

Em outras lojas, a opção é usar cartazes coloridos, gigantes. “Temos feminicídios de vários tamanhos e cores”. “Se podemos ter um mundo com dois policiais corruptos, por que manter um, um só, honesto?” “Por que levar dez por cento se você poder levar cinco de algo com um valor oito vezes maior?”

Essas lojas ficam no Shopping dos Horrores. Onde? Ora, ao seu lado. Ao meu lado. Tão ao lado que qualquer movimento que a gente faça — leste, oeste, norte, sul, direita, esquerda — nos leva a ele.

As promoções estão irresistíveis. Mas, claro, você pode dizer não.

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