Álvaro
Campos, um dos habitantes na pátria Fernando Pessoa, escreveu “Poema em linha
reta”, um de seus mais famosos. O poema começa assim: “Nunca conheci quem
tivesse levado porrada, / todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.”
A essa visão heroica de seus conhecidos, Campos antepõe a de si mesmo (“E eu,
tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil”). Fazendo esse jogo
entre vencedor (eles) e derrotado (eu) ao longo de todo poema, lá pelas tantas,
Campos se questiona: “Arre, estou farto de semideuses! / onde é que há gente no
mundo?” E acrescenta: “Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?” Apesar
dessas perguntas, Campos diz que seus conhecidos, mesmo diante do fato de não
terem sido amados por suas mulheres, de terem sido até mesmo traídos por elas,
não se tornam ridículos, enquanto ele, mesmo sem traição sofrida, é ridículo e
vil, “vil no sentido mesquinho e infame da vileza”.
Um sentimento
parecido ao de Campos me toma diante das certezas tão absolutas de meus
conhecidos (muitos deles amigos) em relação ao momento político por que passa o
Brasil. De um lado, há aqueles que enxergam uma maquinação muito bem
orquestrada entre a justiça e a imprensa de modo a jogar na boca do lobo o
projeto de retirar uma imensa gama de desvalidos da condição de famintos. De
outro, os que têm certeza mais que absoluta de que foi tudo um jogo de cena,
que o governo dos últimos doze anos só pensou no enriquecimento de seus
membros. Os primeiros pedem a inclusão de outros governos no faro da justiça
(governos federais anteriores, governos estaduais de agora). Os segundos, no
extremo, defendem que se esfaqueiem os partidos e os deixem descarnados na rua.
Eu, o vil
ignorante, penso dentro do meu quadrado. As coisas vinham bem. Um governo deu
uma ajeitada no capitalismo bárbaro brasileiro, domou a inflação (uma desgraça
que ataca principalmente os mais pobres, sem defesa contra a perda de poder de
compra da moeda), criou a lei que determina o controle dos gastos públicos, se
desfez de empresas que a iniciativa privada lida melhor com elas (eu sei que há
polêmicas sobre as privatizações, mas estou contando a história de uma
perspectiva boa). O outro, aproveitando a organização anterior, atacou um
problema ancestral, ferindo a pobreza e a fome. Uma evolução que poderia seguir
adiante. Um governo mais preocupado com o funcionamento do capitalismo, outro impondo
ao capitalismo a inclusão de todos. O espectro ideológico nessa sucessão se
daria entre um partido mais à direita — mas que não ultrapassaria a barreira do
centro — e outro mais à esquerda — que não chegaria ao extremo, aquele no qual
se buscaria rever as privatizações e coisas parecidas. Um cenário dos sonhos.
A visão menos
poliana é a que diz que o primeiro governo roubou, o segundo roubou, o terceiro
roubou e o quarto vem roubando. O caos. Um caos que não encontra saída. Quer
dizer, não encontra saída dentro da política e, por isso, esse caos vira uma
coisa inqualificável, grande, muito grande.
Estamos mais
para o primeiro ou para o segundo cenário? Me arrisco a dizer que o governo
atual não é bom (o que não tira sua legitimidade), quer se olhe do ponto de
vista de quem prepara o ambiente para a economia privada deslanchar, quer se
olhe do ponto de vista de quem inclui os desvalidos (a inflação, volto a dizer,
é uma sangria na vida dos mais pobres). Isso sem dizer do desastre de suas
costuras políticas e da desfaçatez da oposição. Sendo assim, com um governo sem
atitude e uma oposição que aposta no quanto pior, melhor, estamos mais para o
caos. E, no caos, prolifera a voz dos que defendem a necessidade de governar
com medidas de exceção, normalmente cerceando a liberdade. Em tese, dizem, por
um tempo curto, na prática, por uma noite interminável.
A partir de
minha ignorância e vileza pergunto: o que estamos fazendo com nossa democracia?
Os não tão cheios assim de verdades, por favor, me respondam (ou me ajudem a
encontrar uma resposta). Os outros, por favor, se forem responder, poupem minha
mãe.